um uivo poderia ser ouvido, se alguém mais estivesse perto daquela casa tão pobre, no meio do mato, embaixo daquele morro, perto daquela árvore, onde há pouco tempo aquela senhora, rainha de seu pequeno pedaço de terra, ainda reunia forças pra estender suas velhas roupas, já tão cansada. mas não era um uivo, era um gemido de adeus daquela velha filha daquele agricultor que morou por ali, que ia embora desse mundo tão assim, timidamente, e ninguém sabia que era seu fim, nem seu filho, dentro de um boteco na triste favela da cidade, com seu ferro na cintura, nem o velho cachorro deitado sobre a terra, nem sua irmã mais nova da grande cidade sulista, e nem a lua, que essa noite não aparecera. e seus suspiros eram de tal modo que talvez o vento pudesse ter se apiedado, e talvez tivesse pedido ao tempo que parasse, porque ninguém talvez merecesse morrer daquele modo. mas era apenas o fim silencioso de uma vida árdua de lágrimas sem choro, e todos perceberam isso quando o tempo perguntou porque alguém haveria de se apiedar, ao velho cachorro, se aquilo que acontecia, quando todo o resto parecia prender o choro, não era nada senão o que acontece a todas as coisas, como sempre foi, a todo instante. então o cão se assustou, e naquela hora um velho carro passou numa estradinha de barro perto da casinha de seu cardoso lá do outro lado, e uma festinha simples haveria ainda de acontecer na casa de dona carminda, que já fizera algumas visitas a uma de suas filhas que mora lá mais pra dentro do sertão. e sem poder enxergar mais nada ao seu redor, na escuridão, ela partiu, e o vento, parando para dar passagem, perguntou para onde ia, mas nem tempo, nem árvore, nem chão, nem morro ou cachorro souberam responder, porque somente eu poderia. somente eu e a coruja dos meus olhos.