o insightcerta vez estava eu saindo de um curso que andava fazendo lá na ufrj, numa sexta-feira ensolarada de dois mil e cinco, pensando na chopada de letras que tava rolando desde as duas da tarde, com direito a feijoada e, eu supunha ter visto num cartaz, show de carlos lyra, esse um carioca legítimo. o tipo de coisa que eu tava procurando no rio, pensei. enquanto meus colegas de curso tomavam o rumo do hotel, eu tava ansioso pra dar uma passada nessa chopada. ouvir boa música, beber uma geladinha, e, talvez, conhecer uma galera interessante. óbvio que não se tratou disso. bebi a primeira cerveja quente, sozinho, vendo a "galera" rebolar ao som do mundialmente famoso funk carioca. tudo bem, vamos tomar outra cerva. quente. o som pára, dá lugar a uma microfonia. é o show, pensei, finalmente, cheguei na hora certa. então veio o axé. o não tão famoso mas igualmente poético e sensível axé baiano. esperei minha latinha quase acabar e perguntei a uma garota de um grupinho se o show já havia passado, e então ela começou a se lamentar de que havia perdido o show e que adorava a velha guarda da portela, e novamente que perdeu o show, e que eu também perdi, e que eu teria que ir à quadra da portela, que eu, de novo, perdi o show e que a cerveja tava quente e tava acabando. concordei de imediato com a parte da cerveja. a garota não parava de falar. ao saber meu nome, foi logo dizendo que também era o nome do seu coelho e que esse cagava muito e por todo canto e que ela tinha um trabalhão limpando a merda do coelho, que, novamente, tinha meu nome. eu cago menos e de preferência no banheiro, falei, mas aí ela me disse que seus outros animais de estimação eram um gato chamado "feio" e um peixe chamado "chorão", e isso me chocou. caralho, pensei, ela usou esses adjetivos como nomes próprios exceto para o coelho, que cagava pra burro, nesse ela pôs meu nome. deveria haver algum significado naquilo, era algum sinal, ou, no mínimo, deveria render alguma reflexão. feio, chorão e eu. feio, chorão e eu. ela começou a tagarelar pra outro cara que estava no grupo e eu fiquei lá - feio, chorão e eu. tentei sair do meu mundo dizendo, sarcasticamente, que estava gostando de ver uma legítima manifestação carioca, o funk, sobretudo numa calourada de letras. soou como uma ofensa pra ela, que me tomou por um tapado inculto, coisa que só vim descobrir tarde demais. foi, talvez, uma pequena cagada. feio, chorão e eu, feio, chorão e eu - aquilo começava a fazer sentido. mas então a cerva quente acabou, e não havia mais nada a fazer ali exceto escutar funk e ver cariocas embriagados tentarem descolar cariocas embriagadas. fomos beber no hotel - feio, chorão e eu.